Publicado no blog "Campestre Cidadão" em 21 de fevereiro de 2012
Não estaremos, é certo, protegidos totalmente contra a corrupção e outros abusos da prática política. Mas estamos, a partir de 1985, com avanços e recuos, nos livrando das oligarquias, e o processo deve continuar. A decisão do STF é talvez o passo mais importante nesse caminho.
Mauro Santayana, Jornal do Brasil
Reconheça-se
que a decisão do STF, na aprovação da Lei da Ficha Limpa, tal como ela foi
concebida, foi tomada sob a pressão da cidadania. Essa pressão, ao contrário do
que pensam os juristas puros, leitores apressados de Kelsen e outros, é sempre
legítima - se moderada pela prudência. Quando houver o abuso nas decisões
colegiadas de segunda instância, cabe aos tribunais superiores zelar pela
proteção dos cidadãos contra as eventuais intrigas e chicanas.
A política é
a mais necessária e a mais difícil das atividades humanas. Ela se exerce em
todos os atos da vida, porque se trata de contratos cotidianos, de negociações
mais difíceis e menos difíceis, sem as quais não seria possível a vida em
comum. Esses convênios se dilatam no tempo e em suas dimensões e conseqüências,
na construção dos estados e na administração do bem comum.
Ao longo da
História, houve sempre o conflito entre a astúcia na luta pelo poder e a
necessidade de que ele seja exercido por homens honrados. O grande problema é
que, na imensa maioria dos casos, os homens honrados se sentem inibidos em
reivindicar o poder político. Essa inibição abre espaço aos demagogos e aos
aventureiros.
Daí a
explicação de Disraeli para a solidez da Inglaterra, em seu tempo. Ali, dizia o
Lord de Beaconsfield, aos homens de bem faltava a audácia, um atributo
normal dos canalhas. Não tem faltado, mesmo entre nós, homens de bem ousados,
na defesa da República, e, graças a eles, a nação vem sendo construída.
Afinal, toda
edificação de uma nacionalidade pode ser definida como uma revolução
permanente. E como Danton definia as revoluções, para elas il faut de
l’audace, et encore de l’audace, et toujours de l’audace.
O ponto de
gravidade dos debates foi o do direito de defesa. No ordenamento jurídico
brasileiro é possível a um réu provido de dinheiro e, dessa forma, de numerosos
e competentes advogados, postergar a sua punição ad-aeternum. Como sabemos, há,
tramitando pelos tribunais, processos iniciados quando muitos dos atuais
ministros do STF ainda não haviam nascido. Os autores e réus morrem, mas os
processos parecem destinados ao juízo final.
Quando os
réus são pobres, a justiça tampouco é célere. Os advogados de defesa, de um
modo geral – há sempre exceções – sejam contratados, ou de ofício, cumprem as
formalidades e deixam o processo caminhar normalmente. Amontoam-se, nos
cárceres, presos esquecidos, sem julgamento, e até mesmo de pena cumprida,
esperando pelo alvará que os liberte.
É preciso
encontrar um limite para as apelações e embargos que vão impedindo que a
justiça se faça, na absolvição e na punição, conforme o caso.
É certo que
temos, no Brasil, mais advogados do que necessitamos. Sendo assim, é quase
natural que se multipliquem os pleitos, e que se dilatem as decisões. Os
códigos, com seus prazos e delongas, são redigidos por advogados. Explica-se,
dessa forma, o volume espantoso de processos que sobem da primeira instância
até o STF, com causas que deveriam encerrar-se na comarca em que se iniciaram.
O direito
foi protegido, ao só serem considerados inelegíveis aqueles que tiverem sido
condenados por uma decisão plural, seja no Tribunal do Júri, seja nos tribunais
de segunda instância - e, como é do bom senso, os que renunciaram aos mandatos
a fim de esquivar-se de um processo político movido pelos seus pares.
Não
estaremos, é certo, protegidos totalmente contra a corrupção e outros abusos da
prática política. Há sempre meios de burlar as normas da lei. Mas já é um bom
começo. Teremos, os cidadãos, que nos preparar para substituir alguns dos
homens públicos em quem votávamos, fosse por desconhecer seus desvios, fosse
por perdoá-los, em nome de nossos próprios sentimentos. Estamos, a partir de
1985, com avanços e recuos, nos livrando das oligarquias, e o processo deve
continuar. A decisão do STF é talvez o passo mais importante nesse caminho.
Assim
faremos, com o tempo, a pátria que merecemos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário